Bento de Jesus Caraça nasceu a 18 de Abril de 1901, na Rua dos Fidalgos, em Vila Viçosa, numa modesta dependência do Convento das Chagas, onde se alojavam alguns criados da casa de Bragança. Era filho de trabalhadores rurais: João António Caraça e Domingas da Conceição Espadinha.
Viveu os primeiros cinco anos da sua vida na “herdade da Casa Branca”, na freguesia de Montoito, onde aprendeu a ler e escrever com um trabalhador, José Percheiro.
A extraordinária rapidez com que aprendia impressionou a esposa de Raul de Albuquerque (de quem o pai de Bento era feitor), que decidiu tomar a seu cargo a educação do jovem.
Tendo concluído com distinção o exame de instrução primária em 1911, em Vila Viçosa, fez o curso liceal nos liceus de Santarém e de Pedro Nunes, em Lisboa, que terminou em 1918, ano em que ingressou no Instituto Superior do Comércio, posteriormente designado Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras(I.S.C.E.F.), actual Instituto Superior de Economia e Gestão.
No 2º ano deste Instituto( 1 de Novembro de 1919) foi nomeado 2º assistente do 1º grupo de cadeiras, pelo professor Mira Fernandes.
Licenciou-se com altas classificações em 1923.
Em 13 de Dezembro de 1924 é nomeado 1º assistente, em 14 de Outubro de 1927 professor extraordinário e em 28 de Dezembro de 1929 professor catedrático da 1ª cadeira (Matemáticas Superiores- Álgebra Superior. Princípios de Análise Infinitesimal. Geometria Analítica).
Integrou o Conselho Administrativo da Universidade Popular Portuguesa desde a sua fundação, em 1919, quando era ainda estudante universitário, tendo assumido a sua presidência em Dezembro de 1928, encetando a sua reactivação . Reorganiza a biblioteca, cria um conselho pedagógico e prepara-se para organizar um cooperativa de cinema educativo. Realiza ali uma conferência sobre “Comércio e Finanças”, em 1927 ou 1928,um “Curso de Iniciação Matemática”, de 1931 a 1933, diversas conferências e palestras sobre os mais variados temas, de que se destacam: “Galileo Galilei, Valor científico e valor moral da sua obra “(1933), “A Arte e a Cultura Popular”(1936) , “Rabindranath Tagore”(1939) e diversas outras . No âmbito da mesma actividade de esclarecimento cultural dá aulas em cursos de aperfeiçoamento no sindicato do Arsenal da Marinha no princípio dos anos 30, profere a célebre conferência sobre “A Cultura Integral do Indivíduo- Problema central do nosso tempo”, na União Cultural “Mocidade Livre”(1933) e sobre a “Escola Única”, na Sociedade de Estudos Pedagógicos(1935).
Em 1938 propôs, com os professores Mira Fernandes e Beirão da Veiga, ao Conselho Escolar do I.S.C.E.F. a fundação do Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia, de que foi director até Outubro de 1946,ano da sua extinção por decisão ministerial.
Em 1940 fundou, com os professores António Monteiro, Hugo Ribeiro, José da Silva Paulo e Manuel Zaluar, a “Gazeta da Matemática”.
Em 1941 fundou a “Biblioteca Cosmos”, de que foi o único director. Esta verdadeira “enciclopédia do saber”, pioneira mesmo a nível da Europa, publicou 114 títulos, com uma tiragem global de 793.500 exemplares(tiragem média por livro:6960 volumes). Nela publicou Bento Caraça o seu notável livro “Conceitos Fundamentais da Matemática” que revolucionou a abordagem da história da Matemática focada dum ponto de vista interdisciplinar e dialéctico.
Foi eleito Presidente da Direcção da Sociedade Portuguesa de Matemática para o biénio de 1943-44 e Delegado da Sociedade aos Congressos da Associação Luso-Espanhola para o Progresso das Ciências, de 1942 a 1944 e de 1946 a 1948.
A subida do fascismo ao poder leva Bento Caraça a intensificar a sua actividade política quer a nível clandestino como militante comunista, quer a nível legal e semi-legal : participa activamente na Liga Portuguesa contra a Guerra e o Fascismo e no Socorro Vermelho Internacional; mais tarde participa na fundação do MUNAF, em 1943, e do MUD, em 1945.
Constantemente perseguido, nunca abdicou dos seus ideais. Acabou por ser preso pela PIDE e, posteriormente, demitido do seu lugar de professor catedrático do I.S.C.E.F., em Outubro de 1946.
Publicou diversas obras e numerosos artigos sobre Matemática, de que se destacam “Interpolação e Integração Numérica”(1930-32), “ Lições de Álgebra e Análise”, em 2 volumes( 1935-1940), “Cálculo Vectorial” (1937).
Colaborou na “Revista do Instituto Superior de Comércio”, “Revista da Economia”, “Técnica”, “Seara Nova”, “Vértice”, no quinzenário “O Globo”, que fundou juntamente com Rodrigues Migueis; e nos semanários “O Diabo” e “A Liberdade”.
Talentoso matemático e professor universitário, não só sabia criar nos alunos aplicação e gosto pelo estudo, como criar amigos com os quais permanentemente passava a conviver.
Resistente antifascista, lutador pela liberdade e a democracia, apontava como horizonte mais vasto profundas transformações sociais, uma sociedade sem exploradores nem explorados, uma sociedade socialista..
Homem de cultura, atacava o monopólio cultural das classes dominantes , apontava o caminho da criatividade e da fruição culturais pelo povo e sublinhava o consequente imperativo da solução dos graves problemas económicos das massas trabalhadoras. Deu uma importante contribuição para a democratização da cultura. Apontando o valor e o papel do indivíduo, inseria a sua actividade em realizações colectivas.
Homem de profundas convicções, reflectia e incitava os outros a reflectirem, respeitava as opiniões diferentes, era sereno na controvérsia. E porque confiava no futuro, acreditava na juventude, convivia com os jovens, que com ele conversavam e passeavam. E nem ele nem os os jovens sentiam as diferenças da idade.
Morreu em Lisboa, a 25 de Junho de 1948, com apenas 47 anos de idade. O seu funeral transformou-se numa impressionante manifestação de pesar e de homenagem sentida a um dos maiores vultos da intelectualidade portuguesa que jamais traiu a sua humilde e honrada condição de classe.